TikTok + WGSN
As comunidades são um reflexo de uma procura gradual e cada mais forte nas plataformas online por afinidades em comum e conexões com relevância. E elas também são o terceiro dos três movimentos que já estão direcionando e ainda vão direcionar muito o mercado de conteúdo digital, identificados num estudo com a consultoria estratégica da WGSN.
O show estava com uma vibe incrível. Aquela cidade tem uma vibe inexplicável, tão aesthetic... Ele me passou uma vibe boa. O termo vibe, hoje, não tem mais nada a ver com vibrações. As vibes se tornaram um adjetivo pra descrever sentimentos, estilos de vida, pessoas e grupos. Elas podem ser aesthetics quando associadas à também à aparência, como nos conceitos de #cottagecore e #goblincore. Mas pra além disso, podem abranger sentimentos intangíveis, aqueles que a gente não necessariamente consegue descrever, mas que consegue apontar e dizer com todas as letras: "isso é uma vibe".
As vibes viraram objetos de adoração nas plataformas online – que estão, por si só, se tornando espaços de veneração em grupo, tanto figurativa quanto literalmente. O motivo tem a ver com a busca online das novas gerações por algo que vai além da espiritualidade: o sentimento de pertencimento. Quer um exemplo? É só dar uma olhada na #witchtok, comunidade com mais de 44B de visualizações em vídeos explorando magia, tarô e cristais.
A busca por vibes e por um tipo diferente de experiência de adoração têm um tanto a ver com o intencionalismo e também com o escapismo sobre o qual gente falou tem pouco tempo. Há nas duas um quê de auto-cuidado, e ainda uma certa vontade de fugir da realidade. Mas, acima de tudo, são reflexos da procura por comunidades. Esse é, inclusive, o terceiro dos movimentos que a gente mapeou numa nova pesquisa junto com a WGSN pra responder a pergunta de milhões: que comportamentos vão virar tendência no digital nos próximos anos?
O movimento de comunidades é reflexo de uma procura gradual e cada vez mais forte nas plataformas online por afinidades em comum e conexões com relevância. Porque se há uma coisa que o conteúdo digital tem de sobra é potência pra gerar laços entre as pessoas. E se você quer ver provas disso, é só olhar (de novo) pras três hashtags que a gente linkou ali em cima: elas estão repletas de creators falando sobre seus interesses em comum, seja gravando vídeos ou comentando nos conteúdos uns dos outros.
As duas macrotendências geradas por essa força são base pra diversas outras trends que você já deve ter visto pelo TikTok e além, assim como rola no intencionalismo e no escapismo. E da mesma forma que nos outros dois movimentos, as comunidades vão definir a relação de todo mundo com o digital nos próximos anos, mas ainda ganham novas camadas dependendo da região. Então bora pra um pouco de contexto pra gente entrar no tópico América Latina?
O "filtro latino" do movimento de comunidades também tem muito a ver com aquela tal dualidade que afeta o intencionalismo e o escapismo. Mas mais do que com os próprios sentimentos de otimismo ou de preocupação, essa força está muito ligada aos desdobramentos deles aqui na região.
O desejo por novas vias de acesso e o clima de incerteza que circulam a América Latina têm provocado uma verdadeira descolonização política por aqui. A diversidade e a representatividade têm entrado cada vez mais em pauta. No Brasil, o número de candidatos LGBTQIAP+ cresceu 94% das eleições de 2018 para as de 2022. No mesmo período, o total de candidatos indígenas subiu 32%.
A descolonização também tem rolado na nossa experiência digital. Estamos mais receptivos a novas formas de conexão – é só olhar pro aumento na adoção de smartphones por toda a América Latina – e passamos a buscar nosso próprio ritmo e autenticidade regionais. E nesse contexto, vêm os desdobramentos das macrotendências das comunidades por aqui:
Interconexão: A identidade cultural latina sempre foi um elo pra interconectar os países, as realidades e os contextos na região. E com maior acesso à produção e ao consumo de conteúdo, todos os cantos da América Latina se tornaram mais acessíveis. Isso fez a gente se enxergar e se aproximar ainda mais, o que ajudou a disseminar novos movimentos culturais e a criar uma noção de pertencimento que não valoriza a uniformidade, mas sim a pluralidade em ser latino. Essa pluralidade, por sua vez, se reflete nos diversos clusters de interesse que formam o ambiente digital por aqui. E nada de restringir: cada pessoa pode transitar entre esferas e pertencer a quantos nichos quiser ou se sentir à vontade.
Ressonância: Em vez de olhar apenas pros números, creators têm buscado conexões mais verdadeiras com as comunidades e valorizado a recepção ao conteúdo que criam – ou, em outras palavras, como o conteúdo deles ressoa. Essa procura por mais significado nas relações resultou num cenário de conexões horizontais e mais igualitárias, e ainda tem ajudado a fazer muita gente entender que pode transitar por diferentes comunidades, com diferentes níveis de engajamento. Além disso, a maior autenticidade nas relações – aliada à consciência do impacto do conteúdo digital, que já falamos aqui – têm aberto espaço até mesmo pra novos modelos de monetização alternativos, como financiamento direto pelos fãs.
Essa busca mais intensa por conexão, relevância e conhecimento tem estimulado a participação ativa do público na produção de conteúdo. Mais do que apenas consumidores, a tendência é que audiência no digital comece a ter um papel (direto e indireto) cada vez mais importante nesse processo. A tomada de decisões, portanto, passa a se descentralizar, e a responsabilidade é compartilhada.
Nesse cenário, o MVC é o novo MVP – a "mínima comunidade viável" toma o lugar do "mínimo produto viável". Marcas precisam se integrar às comunidades, porque a relevância da empresa nessa nova era depende das conexões que consegue criar e acelerar. Quanto mais bem conectadas, mais as marcas se mostram valiosas.
Fazer isso passa por participar ativa e constantemente, valorizando o potencial criativo dos membros de uma comunidade, dando voz e entendendo que pouco se compra e muito se conquista nesses espaços. Os grupos estão, sim, abertos à participação e colaboração de novos agentes, mas pessoas e empresas que (ainda) não são parte deles precisam aprender a cooperar pra serem aceitas.
As mesmas dicas também valem para os creators. E no caso deles, ainda é essencial que estejam atentos à vontade de suas comunidades de participar. Além disso, precisam ter mais abertura pra dividir decisões e ser cada vez mais criteriosos com as parcerias que vão fechar, respeitando os valores e a identidade desse grupo. Não dá pra fazer negócio com uma marca que nada tem a ver com a mensagem que eles mesmos passam – e vice-versa também, é claro.
Cultivar o poder da interação entre comunidades, creators e empresas abre todo um mundo de possibilidades novas pra construção de marca e pro desenvolvimento de novos modelos de negócios, mais alinhados com os cenários futuros da América Latina. Na era das comunidades, não dá mais pra construir sozinho.