TikTok + WGSN
Se o intencionalismo é o olhar mais consciente sobre a geração e o consumo de conteúdo digital, o escapismo funciona quase como um contraponto. Ele é o segundo dos três movimentos que já começaram a direcionar e ainda vão mover muito o mercado de conteúdo digital nos próximos anos, que a gente identificou numa nova pesquisa com consultoria estratégica da WGSN.
A perfeição está ficando démodé. Nos últimos anos, os filtros tomaram as plataformas digitais e se tornaram onipresentes nas representações que as pessoas fazem de si mesmas online. Mas esse lance de mundo perfeito está passando por um ajuste de contas. Os mesmos espaços que antes só tinham retratos irreais da vida, movidos pelo apetite pela perfeição, estão sendo aos poucos preenchidos por relatos honestos que apontam mais pra realidade desses tempos transformadores que a gente vive.
Essa mesma realidade é o que tem feito a gente buscar por mais momentos que oferecem conforto e segurança, inclusive na mídia. Aquele conteúdo que acalma está em ascensão já tem uns anos – mas nos próximos, o conforto vai se tornar fundamental. Essa "mídia do bem-estar", apontam especialistas, pode melhorar até a saúde mental e ajudar a conter pensamentos negativos.
Se o intencionalismo é o olhar mais consciente sobre a geração e o consumo de conteúdo digital, o escapismo, que engloba essas duas macrotendências acima, funciona quase como um contraponto pra ele. Ele é o segundo dos três movimentos que a gente mapeou numa nova pesquisa junto com a WGSN, na busca pela resposta pra pergunta de milhões: que comportamentos vão virar tendência no digital nos próximos anos?
Sim, a gente realmente tá mais familiarizado com o impacto da tecnologia no nosso bem-estar, na nossa saúde e na produtividade. Mas isso não fez desaparecer aquela vontade que vem às vezes – e nem sempre movida pelo auto-cuidado – de escapar da realidade, de ter momentos de descompressão e de esquecer dos problemas. O conteúdo digital responde a esse desejo, virando um aliado nesse desejo por alienação e dissociação.
As duas macrotendências do escapismo que a gente apresentou no começo do texto são reflexos disso. É esse escape da realidade que a gente quer quando procura por conteúdo que acalma e relaxa (tipo aqueles vídeos de limpeza no TikTok), quando cria e consome conteúdo numa estética que vai de encontro à onda de perfeição que tomou o digital, ou até mesmo quando ativa um alerta de tempo de uso em um app.
Da mesma forma que no intencionalismo, as macrotendências do escapismo são base pra várias trends que a gente tem visto web afora, sempre nessa mesma linha de fuga da realidade. E assim como no outro movimento, por mais que o escapismo defina e ainda vá definir a relação do mundo todo com o digital nos próximos anos, ele ganha novas camadas e especificidades de região pra região. Então, antes de falar das expressões dele aqui na América Latina, já sabe, né? Senta que lá vem contexto.
Lembra daquela dualidade que a gente falou no intencionalismo? O sentimento de esperança somado a um ar de preocupação com o futuro, sabe? É principalmente essa segunda parte da equação que pauta as formas como o escapismo é expressado aqui na América Latina.
O cenário que a gente viveu nos últimos anos – e que influenciou os quatro sentimentos crescentes identificados pela WGSN – deixou a região toda cercada por um clima de incerteza. A economia começou a se estabilizar, mas devagar, enquanto as populações seguiram divididas e o investimento externo passou a chegar em níveis mais baixos do que antes. Essa junção de fatores provocou, entre outras mudanças, um encolhimento da classe média aqui no Brasil, por exemplo.
É desse contexto que vem aquele sentimento comum de preocupação com o futuro. Essa sensação, somada ao acesso massificado à tecnologia que falamos no texto anterior, serve como o "filtro latino" pros desdobramentos das macrotendências do escapismo na nossa região:
Identidade: A gente está descobrindo novos significados pra identidade. A integração total entre físico e digital – ou phygital – está mudando a forma como a gente se enxerga e se apresenta. Nossa personalidade é, hoje, construída no on e no offline ao mesmo tempo, o que gera indivíduos híbridos, que se conhecem e se expressam de formas complementares no online e IRL (in real life, na vida real). Esse cenário abriu portas até pra identidades digitais múltiplas, como avatares e identidades fantásticas. Por toda a América Latina, tem quem crie versões de si e de seus lugares flertando com a utopia, sonhando com um amanhã diferente.
Entretenimento: A busca por alienação fez a procura por conteúdo leve e descompromissado explodir. Mas isso não significa mais apelar pro humor. A gente tá passando por um momento em que creators e outros players estão começando a enxergar que existe espaço pra todo nicho de conteúdo – desde que carregue a leveza que as pessoas querem. As plataformas estão se tornando mais complexas, não entregando mais apenas "entretenimento pelo entretenimento", mas sim usando-o como uma base pro surgimento de novos espaços que concentram diferentes formatos e nichos que geram identificação.
"Nicho" é palavra-chave no escapismo. Em um cenário no qual o conteúdo nichado ganha projeção e ajuda a gerar identificação, marcas que se posicionarem como grandes curadoras de entretenimento, que conectam diversos ecossistemas, são as que mais devem conquistar espaço nas redes. Não que a produção de conteúdo proprietário tenha perdido sua importância – o segredo é entender quando ela é a melhor solução.
O caminho pra ser uma curadora passa por parcerias com criadores de conteúdo, em diferentes canais. Confiança nos parceiros é essencial aqui: abrir mão do controle integral do conteúdo de marca pode ser desafiador, mas rende ótimos frutos quando bem feito. E quando a gente fala em parceria, não é só pra fazer #publi, tá? Na hora de construir essa relação, ajudar a garantir as condições ideais pra criar também importa muito e pode ajudar a estimular a conexão entre os dois lados.
Já do lado dos creators nessa parceria, com o potencial da profissão na América Latina, o foco pode ser na própria profissionalização e em estreitar a relação com as suas comunidades (a gente vai voltar nesse ponto na próxima parte da série). Pra fazer isso no contexto de escapismo, vale explorar possibilidades de relacionamento pra além das plataformas digitais pra encontrar novas opções de monetização.